O Governo, em síntese, atua para gerir os interesses públicos mediante a prestação de serviços públicos, concomitantemente organizando e representando a sociedade em que está inserido. Nesse sentido, para que não perca a governabilidade e torne-se obsoleto, é imprescindível que seja sensível às mudanças na sociedade, evoluindo e adaptando suas estruturas em prol da conformidade com a mesma.

No contexto atual, as transformações não param de ocorrer. Experienciamos uma revolução tecnológica que altera incessantemente a forma como vivemos, criando novas demandas e novas formas de contemplá-las em um tempo cada vez menor, de forma que a tecnologia tornou-se essencial no cotidiano humano. No entanto, ao mesmo tempo em que smartphones estão cada vez mais acessíveis e sendo utilizados pela sociedade civil na simplificação de tarefas diárias, a realidade da administração pública brasileira é ainda marcada pelo engessamento e pela lentidão dos processos burocráticos e virtualmente desconectados. Assim, é evidente a necessidade da inserção da tecnologia no aparelho governamental, de modo a diminuir esse descompasso e garantir a eficiência operacional dos serviços públicos.

É à vista disso que surgem e propagam-se as GovTechs. Estas, são organizações e tecnologias que promovem soluções inovadoras para a melhoria da eficiência operacional do governo na realização de seus trabalhos internos e/ou na prestação de serviços à população. Como resultado, direta ou indiretamente, proporcionam maior qualidade de vida para seus cidadãos.

Mais adiante, a inovação tecnológica é também ferramenta para a resolução de outro problema contemporâneo. No Brasil, e na América Latina como um todo, assistimos a um certo desapreço da população pela política, fruto da insatisfação com a falta de transparência, a corrupção e uma série de outros problemas estruturais. Como consequência, há um distanciamento entre Estado e sociedade e, esta, tem seu engajamento e sua participação política enfraquecidos. É nesse sentido que as CivicTechs aparecem como uma alternativa de solução. Estas, consistem em organizações e tecnologias que visam informar, engajar e conectar cidadãos com seus governos e entre si, de forma a melhorar o envolvimento cívico destes. Assim, as CivicTechs proporcionam a transformação da insatisfação com o Governo em algo construtivo, que beneficia a sociedade civil.

O movimento de aparição de GovTechs e CivicTechs é notável no Estado de São Paulo. Um dos exemplos de GovTech é a MGov Brasil, startup criada em 2012, que utiliza tecnologias para implementar um canal de comunicação de mão-dupla com o respondente, coletando dados e enviando informações de acordo com as necessidades do cliente.Partindo do dado de que, em 2016, haviam celulares em 94,8% dos lares, mas a internet estava presente em apenas 63,6% destes (IBGE), a startup passou a buscar a tecnologia certa com o objetivo de trazer inovação através do mobile para serviços e políticas públicas. Assim, em um dos casos, optaram pela utilização de nudgebots para levar informação e criar mudanças de comportamento, visando, em última instância, o desenvolvimento social.

Cria-se então, a tecnologia EduqMais, implementada em 286 escolas públicas em parceria com a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo. Trata-se da utilização de SMS para engajar famílias na educação, através do envio de informações como faltas, atrasos e entrega de tarefas, até sugestões não-curriculares sobre como apoiar os filhos em casa. Quanto ao impacto, pesquisadores estimam que teria sido possível aumentar o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) dos anos finais do Ensino Fundamental da rede estadual de São Paulo em até 0,4 ponto.

Outro exemplo de GovTech é a TNH Health, que utiliza uma ferramenta de atuação semelhante à da MGov, mas cujo escopo de clientes não é apenas o setor público. A empresa cria chatbots inteligentes para a gestão de saúde populacional, ou seja, através de mensagens via SMS, facebook messenger, entre outros, visa engajar, educar e monitorar grandes populações com foco no controle de gastos evitáveis com medidas básicas.A GovTech é conhecida por combater epidemias como Dengue e Zika Vírus por meio da conscientização e do monitoramento de sintomas via SMS, atuando em massa.

A Muove Brasil, por sua vez, é uma GovTech que objetiva contribuir para a formação de governos municipais mais eficientes, transparentes e sustentáveis. Ao trilhar o caminho para alcançar tal intuito, os criadores do negócio de impacto pensaram na aplicabilidade em municípios que representam realmente a realidade brasileira, aqueles que não têm magnitudes como as da cidade de São Paulo. Identificaram que 86% dos municípios possuíam situação fiscal crítica e decidiram que o foco de atuação seriam as finanças públicas – vetor cuja melhoria promoveria maior impacto. Dessa maneira, como uma de suas formas de atuação, a GovTech desenvolveu a plataforma Muove Cidades que identifica os problemas do município e sugere soluções online. Esta, está sendo utilizada em diversos municípios do país, conduzindo os servidores públicos na melhoria de eficiências de receitas e despesas, de forma a melhorar o equilíbrio fiscal e a entrega de resultados para o cidadão.

Já em relação às CivicTechs, um exemplo é a Colab.re, startup que tem como prioridade fomentar o engajamento e o protagonismo do cidadão, de modo a construir uma gestão colaborativa. Considerando o índice de confiança nos governos municipais produzido pelo IBOPE Inteligência que resultou em 33 pontos em uma escala de 0 a 100, a startup buscou formas de auxiliar os governos na transição de uma velha para uma nova gestão pública. Assim, criaram o app Colab, que funciona como uma rede social para a cidadania.

No aplicativo, os cidadãos fiscalizam os problemas que vêem no cotidiano, propõem ideias e avaliam serviços; a prefeitura responde e encaminha para o time responsável e a população acompanha o andamento, sendo notificada quando a questão é resolvida. Além disso, a prefeitura pode criar enquetes quanto a questões municipais, que são respondidas pelos seus cidadãos. Logo, além de ser um canal de comunicação entre governo e sociedade civil, dando voz à população, o aplicativo possibilita também a inclusão do cidadão no processo decisório.

Em relação às organizações citadas acima, que propõem-se a impactar positivamente o setor público e a qualidade de vida dos cidadãos, é relevante pensar os desafios encontrados nas parcerias com os governos. O Governo do Estado de São Paulo, durante o mandato de Geraldo Alckmin, deu início ao Pitch Gov, um programa de parcerias entre Governo e startups que permite o teste de soluções tecnológicas inovadoras para desafios de relevância pública. A ideia é dar espaço ao experimentalismo, ou seja, testar as tecnologias para identificar disfunções e criar melhorias. Do ponto de vista governamental, o programa é benéfico para as startups, que ganham selo de impacto social e o reconhecimento público que facilita a entrada no mercado. Entretanto, sob a perspectiva das GovTechs e CivicTechs, é de grande dificuldade disponibilizar-se á, por um tempo, trabalhar de graça para o Governo, uma vez que drena os recursos da organização.

Nesse sentido, chegamos a outro ponto relevante: é difícil sobreviver como startup dependendo financeiramente apenas do setor público. Assim, para transpor tal obstáculo, as organizações tendem a ter patrocínios externos ou a atender clientes do segundo setor. A dependência não é sustentável, afinal, o processo de negociação não é simples e pode ser bastante demorado. Assistimos, então, a um impasse: na tentativa do Governo de inovar, enfrenta-se ainda a barreira burocrática dos métodos de contratação.

Dado o exposto acima, concluímos que a implementação de inovações tecnológicas no Governo brasileiro é necessária, tanto visando uma melhoria na operacionalização de seus serviços, quanto a viabilização de um contato mais próximo com a população, promovendo uma gestão colaborativa. Para tal, notamos que as GovTechs e CivicTechs vêm exercendo um trabalho importante na criação de soluções inovadoras. Mas, para que seus serviços sejam colocados em prática, há a dependência de abertura governamental, que ainda peca com sua burocracia na contratação. A inovação está próxima, mas a barreira do engessamento estrutural ainda precisa ser derrubada.

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