O surgimento, em meados da década de 1980, do Estado de Bem Estar Social, inaugurou uma nova ordem mundial, sendo essa marcada pela responsabilização do Estado frente às questões da vida pública da sociedade. Com o decorrer dos anos, a complexidade exercida pela experiência pública revelou, paulatinamente, a insuficiência do primeiro setor em regular todos os serviços necessários à população.  

A escassez de mecanismos do Estado suficientemente capazes de assistir todas as demandas da vida pública forçou o processo de desvinculação do primeiro setor como único responsável pela atenção àquilo que foge à vida privada. O início da percepção da sociedade como agente essencial à manutenção da democracia, abriu espaço ao surgimento de um novo setor voltado às questões públicas. 

O surgimento do Terceiro Setor aparece, portanto, como reconhecimento da potência social em atuar, conjuntamente ao Estado, em serviços públicos. Composto por iniciativas privadas sem fins lucrativos, este setor desempenha papel fundamental na ampliação de serviços de atendimento ao público, possuindo portanto um marcante viés social capaz de auxiliar a atuação do Estado.

Porém, seja por falta de apoio governamental e voluntário, o Terceiro Setor encontra-se ainda deficitário, ainda mais no cenário Brasileiro. Os principais obstáculos ao bom desempenho das organizações não governamentais pertencem ao campo financeiro, uma vez que a ausência de um serviço ou produto a ser comercializado dificulta sua captação de recursos. 

A crescente importância do Terceiro Setor traz à luz a discussão acerca de suas dificuldades financeiras e consequentemente a busca por soluções eficazes e eficientes para a captação de recursos. O estudo sobre possíveis fontes de financiamento ao Terceiro Setor se faz, assim, essencial ao desenvolvimento e aprimoramento dos serviços prestados pelas organizações que o compõem. O breve artigo busca, portanto, discorrer sobre possíveis alternativas à situação financeira do terceiro setor. 

A fonte de financiamento mais conhecida publicamente é a de doações diretas. Esta alternativa depende intrinsecamente da identificação do colaborador físico ou jurídico  com a causa sustentada pela organização em questão. Deste modo, para atrair maior número de doadores, e tornar sua colaboração mais estável e longínqua, é necessário que o projeto tenha um plano de ação bem desenhado e claro, para que os indivíduos possam se reconhecer nas ações e ideais pretendidos. Além disso, deve-se pensar em estratégias de contrapartida capazes de demonstrar ao colaborador a significância de sua ajuda naquela causa que acredita e defende. 

Uma segunda alternativa de interesse são as Leis de Incentivo Fiscal, isto é, um benefício tributário concedido pelo poder público àqueles que contribuem financeiramente com projetos do Terceiro Setor. No Brasil, a maioria destas Leis funciona de modo a abater uma parcela  do imposto de renda do doador. As deduções do imposto de renda têm um teto, não podendo ultrapassar uma porcentagem pré-determinada: até 1% quanto aos programas voltados ao auxílio de pessoas com deficiência e projetos que lutam contra o câncer, e até 6% para outros trabalhos relacionados a idosos, crianças e adolescentes, cultura, audiovisual e esportes. As contribuições podem ser feitas para mais de uma entidade filantrópica, porém apenas 9% do total do IR de empresas, e 8% do de pessoa física, poderão ser abatidos.

Outra possibilidade de captação de recursos seriam as Emendas Parlamentares, instrumento este previsto no processo legislativo brasileiro que pressupõe a alocação de uma determinada quantia do orçamento estadual em projetos escolhidos pelo deputado federal que sejam de esfera privada voltados à questões consideradas públicas. Nessa medida encontra-se uma possibilidade de associação entre Judiciário e Terceiro Setor, de modo a incentivar e  institucionalizar o financiamento de serviços voltados ao público. 

Em sequência, tem-se os fundos internacionais, que se entendem por instituições internacionais que participam ativamente de projetos de financiamento ao Terceiro Setor.  Essa participação pode ser tanto uma doação direta, quanto um intermédio entre doadores voluntários e o projeto. Normalmente estas instituições são governamentais, ONGs ou órgãos bilaterais, e são responsáveis pela expansão dos limites das organizações não governamentais para além de fronteiras territoriais, promovendo assim uma ampliação da possibilidade de captação de recursos. Algumas das organizações que se colocam atualmente como principais fontes de captação de recursos externos são por exemplo: Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Banco Mundial (BM), Banco de Desenvolvimento da América Latina, Fundo internacional para o Desenvolvimento Agrícola, entre outros. 

Uma última alternativa, menos frequente mas não por isso menos efetiva, são os financiamentos coletivos – crowdfunding – que se utilizam de plataformas como Vakinha ou Catarse.me para promover campanhas on-line de colaboração coletiva. Algumas vezes esta fonte de captação se  baseia na noção de troca; o colaborador doa uma quantia e em troca recebe uma recompensa correspondente ao valor doado. Nessa alternativa também se faz necessário o plano de ação bem desenhado capaz de promover identificação e reconhecimento do colaborador com a causa. 

Todas as alternativas levantadas são capazes de, em conjunto, promover uma melhora na situação financeira deficitária que vem dificultando a atuação do Terceiro Setor. Porém, para o êxito de cada uma delas é necessário, também, uma sociedade que considere as questões públicas e sociais como um dever e uma responsabilidade cívil. O grande obstáculo que se esconde, portanto, atrás da captação de recursos, é a conscientização de cada indivíduo sobre sua responsabilidade social, e ainda mais, sobre como exercer essa responsabilidade. 

O reconhecimento da necessidade de responsabilização social se desdobra, assim, como principal motivo da criação do Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (MROSC), que, ao mesmo tempo, garante espaços permanentes de diálogo entre governo e sociedade civil e torna a participação da sociedade na concepção, execução e acompanhamento de políticas públicas como fator indispensável.  Assim, esta regulamentação torna a relação entre Estado e Terceiro Setor mais segura e responsiva, consolidando para isso regras capazes de criar um cenário de maior estabilidade jurídica e institucional tanto aos gestores públicos quanto às organizações envolvidas. 

Uma vez que se tem um indivíduo consciente de seu compromisso com o coletivo, é mais fácil torná-lo apoiador e colaborador  de iniciativas que, embora privadas, auxiliam o estado na manutenção do público. O Terceiro Setor configura-se, assim, concomitantemente, como instrumento capaz de facilitar o indivíduo em exercer sua responsabilidade social e força transformadora extremamente dependente da conscientização individual de dever público. 

 

Mariah Nunes Salles

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